Ministério Público junta-se à Defensoria pedindo suspensão da obra “Visceralmente
ilegal”. É como o Ministério Público Estadual define o projeto do BRT
em Feira de Santana, em ação que deu entrada na semana passada na Vara
da Fazenda Pública, com a assinatura de quatro promotores. Para eles, “a
inexistência dos estudos técnicos de base para assegurar informação,
publicidade e efetiva participação à comunidade no processo de
elaboração constitui transgressão grave a princípios constitucionais”.
A
ação requer liminar que suspenda as obras e pede ainda o cancelamento do
contrato da prefeitura com a empresa executora, a Via Engenharia. Se
vitoriosas as pretensões do Ministério Público, a prefeitura só poderia
realizar intervenções relacionadas à mobilidade urbana depois de
elaborar um Plano Diretor participativo e um Plano de Mobilidade Urbana.
Os promotores não aceitam a argumentação do município, de que há um
plano diretor em vigor, formado por um conjunto de quatro leis aprovadas
separadamente, cada uma tratando de um aspecto que deve ser objeto de
um plano unificado.
Ao
longo da ação os promotores desfiam argumentos para demonstrar que o
projeto não se cercou dos estudos técnicos necessários e que o que foi
apresentado não satisfaz exigências básicas previstas em lei.
Eles
consideram inválida por exemplo a licença ambiental, pelo fato de não
ter sido realizado o estudo de impacto de vizinhança. “Esse estudo não é
apenas pertinente, mas sim essencial, jamais podendo ser dispensado”.
Sem uma licença ambiental válida, “as obras devem ser imediatamente
suspensas e não podem prosseguir enquanto não satisfeitas todas as
exigências legais”.
No
documento de 74 páginas, a certa altura se faz uma comparação com a
situação vivida em Salvador durante o governo João Henrique, quando o
Tribunal de Justiça anulou 130 artigos da Lei de Uso e Ordenamento do
Solo e posteriormente anulou outras leis, como o próprio PDDU (Plano
Diretor), por falta de participação da sociedade civil e ausência de
estudos técnicos.
Na
capital, entre as propostas contidas na legislação aprovada na Câmara e
depois anulada na Justiça, estava a implantação da Linha Viva, via de 16
quilômetros vizinha à Paralela. “A situação, em Feira de Santana, é
idêntica, se não mais grave. Assim, na hipótese do projeto do BRT de
Feira de Santana ser submetido ao Tribunal de Justiça em razão da
ausência de respaldo em PDDU válido, e de não possuir estudo técnico e
participação da sociedade civil, provavelmente terá o mesmo destino da
Linha Viva. Será rechaçado”, prevêem os promotores.
SÓ O MPF LIBEROU
Ao
comemorar o arquivamento do Inquérito Civil Público
1.14.004.000171/2013-81, determinado pelo Ministério Público Federal em
fevereiro, a prefeitura de Feira de Santana embutiu a interpretação de
que o Ministério Público Estadual também deu anuência à continuidade dos
procedimentos para a execução do BRT. Afinal, o citado inquérito civil
unia o procurador Marcos André Silva (MPF) e o promotor Luciano Taques
Ghignone (MPE).
Ambos
não estavam mais na cidade quando o procurador Edson Abdon Peixoto
Filho concluiu que a prefeitura atendeu aos pedidos feitos pelos
ministérios públicos e possuía legislação atualizada e participativa de
Plano Diretor. Agora Luciano, mesmo transferido para Salvador, volta à
carga, na companhia de outros colegas, para, a exemplo da Defensoria Pública, tentar parar a construção do BRT. Assinam também os promotores Sávio Damasceno Moreira (que em audiência pública no ano passado fez pesadas críticas à prefeitura), Hortênsia Gomes Pinho e Nayara Valtércia Gonçalves Barreto, que é a titular da ação.
Eles
se apoiam no Parecer Técnico nº 258/2015, da Central de Apoio Técnico
do Ministério Público do Estado da Bahia. O parecer foi assinado pela
urbanista Karine Fernanda Guermandi. “O Plano Diretor é o instrumento
legal que deve nortear qualquer intervenção urbana no município, e se
este se encontra desatualizado (...) não está capacitado para orientar
mudanças estruturais na cidade como é o caso do corredor exclusivo de
ônibus de Feira de Santana”, argumenta a urbanista.
Como
se sabe, o Plano Diretor em vigor data de 1992, 23 anos atrás. A
legislação atual prevê que atualizações do Plano devem ser feitas a cada
dez anos, e com participação ativa da sociedade. Para o MP, mesmo o
Plano de 1992 “não contém instrumentos de gestão democrática e sistema
de acompanhamento e controle social”, características obrigatórias de
acordo com a lei que rege o setor, que é o Estatuto da Cidade.
Outra
característica da ação do Ministério Público é que dá razão aos
críticos do projeto, como o engenheiro Danilo Ferreira, que defende BRT
pelo Contorno e propõe um trajeto de 12 quilômetros, para ligar
extremidades da cidade. Os promotores qualificam como “incompreensível o
traçado atualmente proposto, que na linguagem popular vai ‘do nada para
lugar nenhum’, e não sai do centro da cidade”.
Fazem
menção ainda a parecer técnico da arquiteta e urbanista Maria de Fátima
Silva, encomendado pela Associação Feirense de Engenheiros – AFENG, que
faz severas críticas ao projeto.
Há
críticas ainda ao fato do projeto não ter levado em conta a pesquisa de
origem e destino feita pelo governo do estado. Por fim, o levantamento
que embasou o projeto da prefeitura é apontado como insuficiente. “A
pesquisa de sobe e desce realizada é incipiente, pois feita em apenas um
dia, em curto período, sem atender as metodologias de pesquisa”.
Tanto
a pesquisa quanto o próprio edital foram direcionados, diz o MP, para
um trajeto previamente definido. “O objeto do edital é definido como:
“readequação viária dos Corredores de Transporte Público das Avenidas
Getúlio Vargas, João Durval”. Os promotores avaliam que não houve
“apresentação de qualquer documentação de estudo de viabilidade técnica,
que justificasse serem as Avenidas Getúlio Vargas e João Durval os
corredores idôneos para a implantação de projeto de envergadura tão
importante”. Os promotores estranharam o fato de não terem sido
incluídas outras áreas da cidade e colocam em dúvida se nas regiões
escolhidas haverá demanda suficiente para justificar o investimento.
Finalmente,
o projeto paisagístico e o impacto ambiental na avenida Getúlio Vargas
também são objeto de contestação. A promotoria observa que a avenida
sofrerá impactos em seu patrimônio artístico, paisagístico,
arqueológico, histórico e turístico e ressalta que a área é “uma das
poucas amplamente utilizada pela população feirense como área de lazer e
prática de atividades físicas, como também atividades culturais”.
Apesar
disso, não foram incorporados ao projeto estudos relativos ao meio
ambiente e o projeto de paisagismo contém falhas como não conter o nome
do técnico responsável, não informar local exato do levantamento das
árvores e ainda conter dados conflitantes em relação ao total de
árvores, sem esclarecer também quantas e quais árvores serão mantidas,
cortadas ou transplantadas.
Segundo os promotores, não foram observados “os prejuízos ambientais que seriam causados, nem respeitadas medidas prévias para o cuidado ambiental”.
Pelas
razões apresentadas, o MP conclui que o projeto do BRT representa uma
“cabal ilicitude” e “clara violação a diversas normas”, inclusive
constitucionais e que sua execução trará “dano irreversível” à população
de Feira de Santana.
Além
do cancelamento da obra e do contrato com a Via Engenharia, a ação pede
que o município seja obrigado a elaborar num prazo de um ano projetos
de lei referentes ao Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e ao Plano
Municipal de Mobilidade Urbana, de acordo com as normas previstas no
Estatuto da Cidade, no Plano Nacional de Mobilidade Urbana e toda a legislação aplicável.
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