terça-feira, 25 de agosto de 2015

Promotores dizem que BRT é "visceralmente ilegal"

Glauco Wanderley

Ministério Público junta-se à Defensoria pedindo suspensão da obraVisceralmente ilegal”. É como o Ministério Público Estadual define o projeto do BRT em Feira de Santana, em ação que deu entrada na semana passada na Vara da Fazenda Pública, com a assinatura de quatro promotores. Para eles, “a inexistência dos estudos técnicos de base para assegurar informação, publicidade e efetiva participação à comunidade no processo de elaboração constitui transgressão grave a princípios constitucionais”.


A ação requer liminar que suspenda as obras e pede ainda o cancelamento do contrato da prefeitura com a empresa executora, a Via Engenharia. Se vitoriosas as pretensões do Ministério Público, a prefeitura só poderia realizar intervenções relacionadas à mobilidade urbana depois de elaborar um Plano Diretor participativo e um Plano de Mobilidade Urbana. Os promotores não aceitam a argumentação do município, de que há um plano diretor em vigor, formado por um conjunto de quatro leis aprovadas separadamente, cada uma tratando de um aspecto que deve ser objeto de um plano unificado.


Ao longo da ação os promotores desfiam argumentos para demonstrar que o projeto não se cercou dos estudos técnicos necessários e que o que foi apresentado não satisfaz exigências básicas previstas em lei.


Eles consideram inválida por exemplo a licença ambiental, pelo fato de não ter sido realizado o estudo de impacto de vizinhança. “Esse estudo não é apenas pertinente, mas sim essencial, jamais podendo ser dispensado”. Sem uma licença ambiental válida, “as obras devem ser imediatamente suspensas e não podem prosseguir enquanto não satisfeitas todas as exigências legais”.


No documento de 74 páginas, a certa altura se faz uma comparação com a situação vivida em Salvador durante o governo João Henrique, quando o Tribunal de Justiça anulou 130 artigos da Lei de Uso e Ordenamento do Solo e posteriormente anulou outras leis, como o próprio PDDU (Plano Diretor), por falta de participação da sociedade civil e ausência de estudos técnicos. 


Na capital, entre as propostas contidas na legislação aprovada na Câmara e depois anulada na Justiça, estava a implantação da Linha Viva, via de 16 quilômetros vizinha à Paralela. “A situação, em Feira de Santana, é idêntica, se não mais grave. Assim, na hipótese do projeto do BRT de Feira de Santana ser submetido ao Tribunal de Justiça em razão da ausência de respaldo em PDDU válido, e de não possuir estudo técnico e participação da sociedade civil, provavelmente terá o mesmo destino da Linha Viva. Será rechaçado”, prevêem os promotores.

 

SÓ O MPF LIBEROU

 

Ao comemorar o arquivamento do Inquérito Civil Público 1.14.004.000171/2013-81, determinado  pelo Ministério Público Federal em fevereiro, a prefeitura de Feira de Santana embutiu a interpretação de que o Ministério Público Estadual também deu anuência à continuidade dos procedimentos para a execução do BRT. Afinal, o citado inquérito civil unia o procurador Marcos André Silva (MPF) e o promotor Luciano Taques Ghignone (MPE). 


Ambos não estavam mais na cidade quando o procurador Edson Abdon Peixoto Filho concluiu que a prefeitura atendeu aos pedidos feitos pelos ministérios públicos e possuía legislação atualizada e participativa de Plano Diretor. Agora Luciano, mesmo transferido para Salvador, volta à carga, na companhia de outros colegas, para, a exemplo da Defensoria Pública, tentar parar a construção do BRT. Assinam também os promotores Sávio Damasceno Moreira (que em audiência pública no ano passado fez pesadas críticas à prefeitura), Hortênsia Gomes Pinho e Nayara Valtércia Gonçalves Barreto, que é a titular da ação.


Eles se apoiam no Parecer Técnico nº 258/2015, da Central de Apoio Técnico do Ministério Público do Estado da Bahia. O parecer foi assinado pela urbanista Karine Fernanda Guermandi. “O Plano Diretor é o instrumento legal que deve nortear qualquer intervenção urbana no município, e se este se encontra desatualizado (...) não está capacitado para orientar mudanças estruturais na cidade como é o caso do corredor exclusivo de ônibus de Feira de Santana”, argumenta a urbanista. 


Como se sabe, o Plano Diretor em vigor data de 1992, 23 anos atrás. A legislação atual prevê que atualizações do Plano devem ser feitas a cada dez anos, e com participação ativa da sociedade. Para o MP, mesmo o Plano de 1992 “não contém instrumentos de gestão democrática e sistema de acompanhamento e controle social”, características obrigatórias de acordo com a lei que rege o setor, que é o Estatuto da Cidade.


Outra característica da ação do Ministério Público é que dá razão aos críticos do projeto, como o engenheiro Danilo Ferreira, que defende BRT pelo Contorno e propõe um trajeto de 12 quilômetros, para ligar extremidades da cidade. Os promotores qualificam como “incompreensível o traçado atualmente proposto, que na linguagem popular vai ‘do nada para lugar nenhum’, e não sai do centro da cidade”.


Fazem menção ainda a parecer técnico da arquiteta e urbanista Maria de Fátima Silva, encomendado pela Associação Feirense de Engenheiros – AFENG, que faz severas críticas ao projeto.


Há críticas ainda ao fato do projeto não ter levado em conta a pesquisa de origem e destino feita pelo governo do estado. Por fim, o levantamento que embasou o projeto da prefeitura é apontado como insuficiente. “A pesquisa de sobe e desce realizada é incipiente, pois feita em apenas um dia, em curto período, sem atender as metodologias de pesquisa”.


Tanto a pesquisa quanto o próprio edital foram direcionados, diz o MP, para um trajeto previamente definido. “O objeto do edital é definido como: “readequação viária dos Corredores de Transporte Público das Avenidas Getúlio Vargas, João Durval”. Os promotores avaliam que não houve “apresentação de qualquer documentação de estudo de viabilidade técnica, que justificasse serem as Avenidas Getúlio Vargas e João Durval os corredores idôneos para a implantação de projeto de envergadura tão importante”. Os promotores estranharam o fato de não terem sido incluídas outras áreas da cidade e colocam em dúvida se nas regiões escolhidas haverá demanda suficiente para justificar o investimento.


Finalmente, o projeto paisagístico e o impacto ambiental na avenida Getúlio Vargas também são objeto de contestação. A promotoria observa que a avenida sofrerá impactos em seu patrimônio artístico, paisagístico, arqueológico, histórico e turístico e ressalta que a área é “uma das poucas amplamente utilizada pela população feirense como área de lazer e prática de atividades físicas, como também atividades culturais”.


Apesar disso, não foram incorporados ao projeto estudos relativos ao meio ambiente e o projeto de paisagismo contém falhas como não conter o nome do técnico responsável, não informar local exato do levantamento das árvores e ainda conter dados conflitantes em relação ao total de árvores, sem esclarecer também quantas e quais árvores serão mantidas, cortadas ou transplantadas.


Segundo os promotores, não foram observados “os prejuízos ambientais que seriam causados, nem respeitadas medidas prévias para o cuidado ambiental”.

Pelas razões apresentadas, o MP conclui que o projeto do BRT representa uma “cabal ilicitude” e “clara violação a diversas normas”, inclusive constitucionais e que sua execução trará “dano irreversível” à população de Feira de Santana.

Além do cancelamento da obra e do contrato com a Via Engenharia, a ação pede que o município seja obrigado a elaborar num prazo de um ano projetos de lei referentes ao Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e ao Plano Municipal de Mobilidade Urbana, de acordo com as normas previstas no Estatuto da Cidade, no Plano Nacional de Mobilidade Urbana e toda a legislação aplicável.

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