quarta-feira, 21 de setembro de 2016

E se eu tivesse acertado o lance livre? E se eu tivesse sentado ao lado do Karstein Lochmueller? E se o Domingos Montagner...





Todos nós recebemos estarrecidos a informação sobre, primeiro, o desaparecimento e depois a confirmação da morte por afogamento do ator da Rede Globo e galã de novela, Domingos Montagner. Eu, além de estarrecido, recebi a informação internado sozinho em um apartamento de hospital.  
 
A oportunidade da solidão de estar internado em um leito de hospital sob o efeito de remédios se usado da maneira correta  pode ser uma excelente oportunidade de reflexão sobre a vida. Ou uma falta de opção de fugir dela. Pelo menos as dores podem ser utilizadas como desculpas para as lágrimas escorregadias. É sim... depois que você chega a uma certa idade e se vê refletindo sobre a vida internado sem acompanhante em um apartamento de um hospital uma visita recorrente além das enfermeiras pontuais nos remédios podem ser (não digo que são, mas que podem ser) as lágrimas.

Eu sei que você tá achando essa conversa um saco. Se quiser levantar e beber uma água, um suco talvez. Bom! Vou adiantar a prosa. 

Cena 1: 1987, eram as semifinais do campeonato, o quinto jogo do Estadual. O time era o juvenil masculino do Minercal Universitário de Sorocaba. Eu tinha feito um bom campeonato e era o titular do time. Tive uma  lesão lombar (lombalgia) que me tirou do time por umas duas semanas mas, recuperado, estava entrando em ritmo de jogo finalmente. Aquele jogo de volta contra o Inter de Santos era fundamental, haja visto que no jogo em Sorocaba nós havíamos vencido. Mas por um motivo que não me lembro a vantagem de jogar em casa era deles e o jogo, se ganhássemos, seria o passaporte para o sucesso. Se perdêssemos estaríamos de fora. Ganhar, representaria a oportunidade de disputar as finais na capital paulista, jogar contra os grandes que na época eram o Monte Líbano, a Pirelli, o Esporte Clube Sírio-Libanês.  A oportunidade de visibilidade, de contratos bons. Fama. Sucesso. 

Primeiro tempo termina e nosso time perdendo. Uns 30 pontos atrás. Jogávamos mal. Atílio dando esporro no vestiário, começa segundo tempo. Time melhora, cestas e mais cestas. As bolas caem. Anderson jogando muito. Atílio, Andreoli. O time deslanche. A inter mesmo jogando em casa assiste nosso time jogar. Jogo  acabando, segundos finais, tiramos os 30 pontos, agora é cesta lá e cá. Segundos finais, um ponto apenas atrás no placar, contra ataque, passe rápido, interceptei a bola longe da cesta, parto para a bendeija, direita, esquerda, arremesso e marcador bate na minha mão e me derruba, juiz marca falta, caio no chão, ouço apito do juiz, a bola roda no aro, roda no aro...roda no aro e... não cai. 2 lances livres, pressão, "calma, concentra!". Erro o primeiro lance livre. "Calmaaaaa!!!!". "Respira". "Concentra". "Acerta e vamos pra prorrogação". Finais. Estadual, capital paulista, jogos com os grandes...errei o segundo lance livre... estamos fora! Não precisa contar aqui os acontecimentos que se sucederam após eu ter errado o lance livre, a volta pra Sorocaba...o desfecho do time...

Cena 2: Ministério Evangélico "Atletas em Ação" Brasil. Estávamos no Rio de Janeiro, na despedida da campanha do time americano de "Athletes In Action" no ano de 1989em jogos durante todo o estado de São Paulo. Eu jogador e obreiro missionário do time aqui no Brasil e dávamos suporte a equipe americana. O programa tinha sido o típico de turistas gringos no Rio. Visita ao "Pão de Açúcar", "Corcovado", "Praia do Flamengo", passeio em Copacabana. Até uma corrente de ouro um dos americanos teve roubada, pra sentir o gostinho de realidade em sua visita ao Rio. Ao final e antes da despedida, o lanche seria não mais não menos no "Mac Donald`s" é claro. Só que minha relação entre um dos atletas, o filho do técnico era muito boa. Eu e Karstein Lochmueller fizemos ao longo de sua visita ao Brasil e nos jogos pelo estado de São Paulo uma relação como de dois irmãos. Sabia que eles queriam me levar para os Estados Unidos. Lá o Karstein já havia me dito que deixaria eu dirigir o carro dele no College. Assumiriam minha educação. Seria uma nova perspectiva de vida. Já dentro do Mac Donald´s todos em fila nos pedidos, Karstein me chama de longe ainda na fila e diz em alto e bom inglês "Carlon, sit by me!" - ( Carlão, sente-se ao meu lado!). Balancei a cabeça em sentido positivo mas não entendi direito o contexto da frase. Achei estranho e na confusão dos pedidos acabou que me sentei longe dele. De onde estava ele me chamou alto e deu com os ombros como que não entendendo o motivo de eu não tê-lo obedecido. Sentando ao seu lado...

Cena 3: Há 6 dias atrás eu sozinho, internado devido a uma crise de diverticulite no quarto 111 de um hospital aqui da cidade. Em intervalo da programação vejo na TV do quarto a jornalista falar do desaparecimento do ator Domingos Montagner. "Um evento preocupante" ela disse. Camila Pitanga e o ator almoçaram juntos. Foram nadar. Relato da atriz Camila Pitanga. Correnteza. Ator subiu uma vez para respirar. Submergiu pela segunda vez. Não subiu mais! Estava confirmado, morria o ator Domingos Montangner. Em pleno sucesso de sua carreira. Pai de 3 filhos. Casado. Morador de Embu das Artes. Palhaço. Professor de Educação Física. Bom cara. Coração. Dor. Emoção. Comoção. "Pai...pai... ele segurou na minha mão pai...". Domingos Montagner!!!

E se eu tivesse acertado o lance livre nas finais do campeonato estadual? E se eu tivesse sentado ao lado do Karstein Lochmueller? E se o ator Domingos Montangner não tivesse ido nadar  mas a atriz Camila Pitanga no rio após terem almoçado? E se...?

Vivemos ao lado do inexorável, do tempo e da morte. Das fatalidades. É certo que são nossas decisões que tornam quem somos. Apesar de uma decisão ter o poder de mudar o horizonte de eventos que desencadeiam uma série de acontecimentos que vão determinar aspectos fundamentais de nossa vida, de nossa existência, não temos como determinar o que adviriam caso nós tivéssemos tomado outra ao invés daquela. Tomar decisões implica em estarmos vivos, mesmo que essas decisões representem segundos antes de nossa morte. Mesmo que a decisão seja decisão alguma ou nenhuma. 

Quantas vezes nos livramos de desastres, de acidentes de trânsito, de quedas de avião, de desfazer um relacionamento se tivéssemos agido desta  forma ao invés daquela e nunca saberemos disso? Não temos controle sobre tais coisas. Uns chamam acaso! Destino. Eu chamo de Deus!

Devemos sempre ter em mente a clareza de que as coisas são como elas tem que ser sendo que enquanto pessoas, enquanto seres humanos, precisamos ter a lucidez e o entendimento (para não dizer amadurecimento) de que devemos buscar e procurar sempre fazer o melhor e o que é correto. E isso inclui em tentar viver uma vida plena, digna e com gratidão, na melhor maneira que nos for possível pois podemos estar vivos hoje mas não sabemos do dia de amanhã. Por falar em gratidão, você pode perceber agora o muito que tem e não agradece por que reclama e pede mais ainda?

Com eu disse, estar internado sozinho dentro de um quarto de hospital pode representar uma prosa boa. E boas lágrimas escorregadias... 

Viva o agora! Faça o que deve ser feito. Agradeça a Deus...e sorria!

Namastê!

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