O suicídio deve ser tratado como questão de saúde pública. No Brasil, atualmente 32 pessoas se matam por dia.
O sol ainda não estava tão quente às 07h30 da manhã da quinta-feira
dia 15 de setembro, na zona rural de Urupá – município distante 40 km de
Porto Velho, capital de Rondônia, quando um mecânico de 24 anos tentou
tirar a própria vida ingerindo doses de agrotóxico. Familiares de
imediato tomaram o recipiente do mecânico e o conduziram até o pronto
socorro da cidade onde o mesmo foi internado.
16 dias antes da tentativa do jovem mecânico rondoniense, às onze da manhã do dia 29 de agosto, um motoboy
de 41 anos telefonou para uma amiga na manhã daquela segunda-feira,
queria dizer adeus. Na chamada de poucos minutos, informou que cometeria
suicídio dali a algumas horas e que ela ficaria sabendo mais tarde,
pela televisão. Ligou então para sua mãe, de 94 anos, avisando que não
levaria o filho, de 4 anos, à escola. Com o menino nos braços, o motoboy
pegou um ônibus próximo de sua casa, na Vila Galvão, em Guarulhos, e
seguiu até o Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, na Zona Oeste de São Paulo.
Era por volta das 10h50 quando encostou no balcão de um dos cartórios do
fórum, pediu um pedaço de papel e uma caneta. Pelas imagens do circuito
interno do fórum, é possível concluir que ele subiu até o 17º andar,
atravessou uma faixa de isolamento, sentou-se no parapeito e, com o
filho no colo, pulou.
No momento do suicídio do motoboy com o filho no colo,
quatro pessoas de uma família já tinham sido encontradas mortas, às
07h00 na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Os corpos de
duas crianças e do marido estavam na área da piscina do prédio e caíram
do 18º andar. O corpo da mulher foi encontrado na cama, dentro do
apartamento. Em uma carta encontrada no apartamento, está escrito:
“Sinto um desgosto profundo por ter falhado com tanta força, por deixar
todos na mão mas, melhor acabar com tudo logo e evitar o sofrimento de
todos”.
Ano passado, entre os Guarani-Kaiowá, que é a população indígena que
mais comete suicídio em todo o território brasileiro, houve 45 casos de
suicídio em Mato Grosso do Sul, destes 73% eram do sexo masculino e 27%
do sexo feminino. Os maiores índices ocorrem entre jovens de 10 a 19
anos. Essa faixa etária corresponde a 61% de todos os casos de suicídio
indígena.
Em 2012, um monitor de um colégio tradicional do Rio de Janeiro, viu
quando um aluno de 12 anos se jogou do quinto andar do edifício – “Era
horário da saída e o menino estava sozinho no corredor. Achei estranho
quando o vi pendurado na janela, com o corpo para fora e subindo na
marquise. Olhei e disse: ‘o que é isso, o que está acontecendo?’. E ele
soltou a mão e caiu. O menino deixou a mochila, os óculos, o relógio e
R$ 5 no corretor, próximo ao local de onde pulou. Ele estudava há cinco
neste colégio e foi descrito como introvertido e sempre solitário.
Divulgando casos, debatendo o assunto, priorizando a discussão: a
Abrasco aderiu ao Setembro Amarelo – uma campanha, criada em 2014, que
busca conscientizar sobre a prevenção do suicídio, um problema de saúde
pública que vive atualmente a situação do tabu e do aumento de suas
vítimas. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 800 mil
pessoas se suicidam no mundo e, a cada 40 segundos, uma pessoa tenta se
matar. No Brasil, atualmente 32 pessoas se matam por dia.
O suicídio tem crescido ainda entre as causas de mortes de jovens até
19 anos no Brasil. Em 2013, 1% de todas as mortes de crianças e
adolescentes do país foram por suicídio, ou 788 casos no total. O número
representa um aumento expressivo frente ao índice de 0,2% de 1980. Ou
seja: em 25 anos, o número de suicídios entre os jovens brasileiros
aumentou 500%. Entre adolescentes de 16 e 17 anos, a taxa é ainda maior;
3% . O aumento também ocorre em relação às mortes para cada 100 mil
jovens dessa mesma faixa etária: a taxa foi de 2,8 por 100 mil em 1980
para 4,1 em 2013.
Este mês, o pesquisador Carlos Estellita-Lins, Coordenador do Grupo
de Pesquisa de Prevenção do Suicídio (PesqueSui), do Instituto Instituto
de Comunicação e Informação Científica e Tecnologia em Saúde
(Icict/Fiocruz), proferiu a palestra ‘Pensando o suicídio como desfecho –
transtornos mentais’ no Instituto Nacional de Infectologia Evandro
Chagas. Estudioso do tema há anos, Estellita falou sobre os estudos
sobre suicídio e ideação suicida, o uso de emergências psiquiátricas
pela população e métodos de educação em massa sobre saúde mental. Em
2012, o grupo lançou o livro Trocando seis por meia dúzia – Suicídio
como emergência do Rio de Janeiro, organizado pelo pesquisador. A obra
relata o atendimento, nas emergências dos hospitais da cidade, a
pacientes que tentaram se matar. Estellita diz que entre as principais
dificuldades enfrentadas pelos profissionais de saúde no atendimento
desses casos no Brasil estão a precariedade na formação em urgências
psiquiátricas e em suicidologia. “Precisamos admitir que o suicídio é
uma questão que diz respeito a todos os profissionais de saúde. Todos
nós devemos buscar capacitação profissional para lidar com isto”,
afirma. “Qualquer um de nós já pensou em suicídio, qualquer um de nós
poderá optar por esse desfecho e eu respeito isso. O que eu não respeito
é que nós não possamos ser tratados por isso. E sabemos que no Brasil o
idoso vive a cada ano um pouco mais e a cada ano vive pior e o suicídio
é uma saída, vamos debater o suicídio acima de 70 anos! Precisamos
falar sobre o tratamento que o suicida recebe no Brasil, como ele é
tratado na fila do pronto-socorro”, alerta Estellita-Lins.
Para o final, porém não menos importante, fica o documentário
‘Suicídio no Brasil’ que apresenta dados epidemiológicos, percepção
social e formas de enfrentamento do problema. A pedido do PesqueSui, o
historiador e documentarista Eduardo Thielen, da VideoSaúde
Distribuidora da Fiocruz, teve um novo desafio: transpor os debates
sobre saúde mental para a linguagem audiovisual, criando imagens e
textos para comunicar as informações.
Veja o documentário sobre o suicídio no país:
Fonte do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=VuXpvqsj118
Fonte do texto: ABRASCO (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA)
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