segunda-feira, 27 de junho de 2011

De “gaiolas e asas” do Rubem Alves às correntes e mordaças da Educação na Bahia: o processo de certificação estabelecido pela Secretaria Estadual de Educação.



“Tudo fere o tempo, tudo digere. Atreve-se o tempo á colunas de mármore, quanto mais aos corações de cera” PDE. ANTONIO VIEIRA

Quem acompanhou e acompanha a escalada da classe trabalhadora ao longo da história brasileira (porque dela faz parte) sem sombra de dúvidas se emocionou ao ver a posse do primeiro “operário” a galgar o posto mais importante da política nacional – a presidência da república.

Junto com tal acontecimento, a classe trabalhadora, o operariado, os de classe mais singela e humilde tinham em si os anseios de que a partir de então as coisas iriam mudar, os salários iriam melhorar assim como as condições de vida da maioria que é minoria.

Com o passar do tempo percebemos que isso não só não aconteceu como o referido presidente e seu partido traiu a classe trabalhadora assim como traiu um projeto histórico que dizia defender, nas “épicas” (isso mesmo, “épicas”) greves que paravam o ABCD paulista, adotando o mesmo discurso neoliberal e conservador dentro da ótica de uma reestruturação produtiva daqueles que ele mesmo criticava, demonstrando que o fazia tão somente pelo interesse pútrido e fétido de obtenção do poder pessoal e partidário. O mesmo presidente que utilizou da greve para reinvidicar no passado utilizando desse direito da GREVE como um instrumento legítimo de reinvidicação da classe trabalhadora há algum tempo atrás, já no poder, em entrevista a mídia de massa declarou haver a necessidade da regulamentação da greve em função, segundo o mesmo, dos prejuízos que a mesma traz a economia, a indústria e/ou a sociedade.

Na ultima greve dos professores da rede estadual de educação da Bahia este mesmo partido representado aqui pelo seu governador não fez por menos, demitindo e perseguindo representantes de sindicatos que apoiavam a greve os quais pertenciam a partido que era base de sustentação do governo, mas que tinham membros na direção da APLB ameaça de corte de pontos etc. O mesmo governador que se elegeria sob o discurso de que condenaria os REDAS, após eleito seu primeiro ato foi promover concursos para o REDA, recurso esse que perpetua durante todo o seu mandato e que é também um recurso pífio que gera ilusão de empregabilidade, pois não dá ao trabalhador estabilidade, explorando sua mão de obra de forma fragmentada e transformando a mesma em mão de obra barata a serviço de uma pseudo-educação de qualidade. Idem no que se refere aos PST´s.

Como se não bastasse, os últimos dois anos foram marcados por indeferições de processos de enquadramento/alteração de carga horária de professores que há anos completavam suas cargas horárias com horas extras sob o discurso de uma portaria que dizia haver a necessidade de contenção de despesas por parte do setor público do estado, contenção de despesas essas que não se justifica logo em seguida esse mesmo estado contratar um sem número de coordenadores pedagógicos e de professores que custariam aos cofres muito mais do que houvesse pura e simplesmente alterado/enquadrado os profissionais com processos em andamento.

Se não bastassem os absurdos já cometidos, a secretaria da educação do estado inova mais uma vez criando a figura do “Coordenador Pedagógico Virtual”. Como assim? Eu explico: ao invés de criar concursos para coordenadores pedagógicos e investir menos em propaganda eleitoral com o dinheiro público, o Governo do Estado via Secretaria da Educação baixa portaria onde decreta que o coordenador pedagógico haveria de prestar serviços não somente a apenas uma unidade de ensino, mas a duas, três unidades e, pasmem, simultaneamente. Ora, ora... Quem tem um mínimo de leitura e entendimento dos saberes e fazeres pedagógicos e do que preconiza a didática metodológica em prol de uma educação realmente de qualidade em uma unidade de ensino, dos significados do que vêm a ser o trabalho educativo dentro da escola sabe que tal recurso fragmenta o processo de aprendizado cognitivo do educando uma vez que fragmenta o próprio cotidiano escolar e conseqüentemente as ações daquele que é uma das molas mestras da escola, um dos seus elementos fundamentais, o coordenador pedagógico, que como o próprio nome já diz, tem a função de coordenar as ações educativas da unidade escolar de ensino.

Fico me perguntando: será que a Secretaria da Educação do Estado da Bahia, que deve ter pagado muito bem ao Sr. Miguel Arroyo para ser consultor da mesma, em nenhum momento pediu uma orientação a este sobre tal iniciativa/procedimento ou será que o mesmo é e está conivente com tal situação pedagógica administrativa?  

A atual instituição do processo de Certificação pela Secretaria Estadual de Educação através dos moldes de MERITOCRACIA bem debaixo da “fuça” da representação sindical de classe dos professores do estado da Bahia, a APLB, é o novo golpe que estabelece um modelo de avanço que omite a opressão diária a qual é submetida o trabalhador da educação assim como omite a grande falta de estrutura que existe hoje na maioria das unidades de ensino da rede com seus prédios sucateados, depredados, onde ventiladores não funcionam, luzes queimadas, losas em péssimo estado de conservação e o elemento humano, o professor, desrespeitado e posto em segundo plano, onde muitas vezes precisa vender sua força de trabalho, sua “mais valia” em 60 horas semanais, a fim de ter uma vida digna, com um mínimo de conforto. Mais uma vez a idéia do sistema é a de culpar o indivíduo, o profissional da educação e não o modelo. E essa certificação consegue fazer pior, uma vez que coloca trabalhador contra trabalhador em uma mesma unidade de ensino, colegas irão fazer uma mesma prova, avaliados por uma prova que esconde uma série de subjetividades, muitas delas relatadas acima e como se uma prova avaliasse alguém.

Antes de continuar quero que me respondam a uma pergunta singela: PODE EM UMA SOCIEDADE PSEUDO-DEMOCRÁTICA E DESIGUAL SE ESTABELECER E INSTITUIR UM PROCESSO MERITOCRÁTICO COMO INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO?  Me farei inteligível. Eu poderia, em uma sociedade que se pressupõe instituída segundo os moldes dos direitos iguais para todos os seus cidadãos, mas que na prática recrudesce aos moldes de exploração, de escalas hierárquicas e de divisões de classes como a nossa vir a cobrar MÉRITO de uma pessoa que é submetida a padrões e modelos desiguais em função de nós sabermos coexistirem na sociedade brasileira e baiana capitalista excludente de forma intrínseca a desigualdade e a diferença? Não seriam essas diferenças fruto de um modelo? De um padrão excludente? Ou o mendigo é mendigo porque gosta, porque sempre assim o quis e através de gerações e gerações fruto da ordem e da cadeia evolutiva sua árvore genealógica o fez mendigo e assim como o seu avô, seus pais e ele mesmo, necessariamente haverão de serem mendigos? Ou o tal “ser mendigo” é um resultado de um modelo? De um padrão, uma ordem social, política e econômica que nega ao indivíduo a oportunidade dele mesmo se reconhecer a partir de um referencial humano dotado de potencialidades comuns ao elemento humano, onde hajam condições coletivas que permitam a esse indivíduo o acesso a educação, saúde, moradia, empregabilidade e dignidade típicas da humanidade enquanto sujeito histórico, ser ominilateral gramscineano? 

Por isso o modelo meritocrático é desumano, injusto e serve sim a um padrão que historicamente serviu e serve ao estabelecimento de um “status quo” neoliberal, capitalista e excludente que não devia compactuar com o discurso de “uma Bahia para todos nós” ou o discurso de uma “gestão participativa e democrática” uma vez que desconsidera uma série de fatores que compõem o que vêm a ser efetivamente o significado de “mérito” dentro de uma sociedade desigual como a nossa.
É a esse modelo meritocrático que uma secretaria que se institue a fim de lidar com a categoria da Educação se reporta e adota como princípio para avaliar seus tutelados?!?!?

 Em um dos encontros regionais do CNPQ em que participei há anos atrás na UEFS tive a oportunidade de me inscrever em um GTT (Grupo de Trabalho Temático) sobre Epistemologia com a professora Cely Taffarel do LEPEL-FACED onde a mesma me trouxe dados interessantes dos quais eu jamais me esqueci.

Naquele dia, antes de falar de tais pontos, a professora Cely pontuou em sua fala que o exercício da função do trabalho do professor é uma das que mais difere das demais uma vez que a mesma não se finda em si mesmo no tempo e espaço do trabalho. Mesmo o médico, que é uma profissão estigmatizada em nossa sociedade como sendo nobre e ante as outras tidas como umas das mais importantes têm seu período de início, meio e fim, enquanto que a profissão do professor mesmo no seu momento de ócio continua em função de uma dinâmica latente, seja um dado novo em uma propagada na televisão, seja um desses “insights” dentro de uma padaria ou m uma fila de banco ou ao ler uma revista etc. o professor está sempre “ligado”, pois seu fazer assim o exige. É a dinâmica da própria Educação.

Continuando em sua fala a Professora Cely nos remete a dois pontos que considerei cruciais que tentarei, em função dos longos anos em que assisti a sua palestra, rememorar aqui: O primeiro diz respeito ao fato de que muitas vezes procuramos uma resposta sem termos uma pergunta e que a atitude primordial daquele que pesquisa ou que quer conhecer, que investiga e que produz conhecimento é saber “qual é a pergunta?”. O segundo ponto do qual também não me esqueço e que deriva do primeiro diz respeito à seguinte indagação: como um trabalhador que têm que se submeter a uma escala diária de trabalho de 15 horas (valores semelhantes ao trabalho semi-escravo do período pós-revolução industrial, séc. XVII, pasmem) pode produzir conhecimento? Em que momento esse trabalhador da educação poderá criar o ambiente necessário a relação dialógica a fim de fazer as tão necessárias perguntas e de ir ao encontro das respostas? Que tempo têm para fazer cursos, ler, estudar, participar de eventos indispensáveis ao seu labor e a sua prática e de não ser um mero reprodutor do conhecimento?

Foi por acaso que em reportagem a certa emissora de TV aqui de Feira de Santana ano passado indagado sobre o porquê da falta de qualidade e de baixos índices na educação tive a sorte de ser entrevistado e não titubeei em dizer que toda escola se não têm deveria ter seu Projeto-Político-Pedagógico uma vez que este deve ser o norte geográfico que coordena todas as ações educativas da escola, alinhados com professores, articuladores, coordenadores pedagógicos, colegiado escolar, mas que é necessário antes de qualquer coisa que haja INFRA-ESTRUTURA para que pudéssemos materializar este projeto político pedagógico e para que não houvesse a “artificialização do ensino”. EU pergunto, essa infra-estrutura existe na rede pública estadual da Bahia?

Com pouco tempo na Educação já posso perceber uma série de contradições e de relações de conflitos, de conchavos, de pistolões, de nepotismo, de desrespeito para com o professor e a velha politicagem que perdura em um modelo que está longe de ser de todos nós e muito menos democrático. E que não venham desqualificar a minha fala por conta dessa brevidade de tempo na educação pública, pois, parafraseando um ex-professor doutor do Lepel-Faced-Ufba, “Eu não preciso provar o sabor da água de todos os oceanos para saber que a mesma é salgada”

Depois desse modelo instituído de CERTIFICAÇÃO deverá vir por aí além das câmeras para filmar os alunos também vigiarem a prática pedagógica dos professores, além disso, virá em breve o “Cartão de Ponto” do professor e vão instituir a “aula cronometrada” dentro das escolas pra saberem se o professor está realmente lecionando de forma “conteudista” e com "qualidade" os 50 minutos correspondentes a duração de sua aula. Aí não haverá mais histórias “bonitinhas” como as do modelo educacional da Escola da Ponte ou textos como o “Sobre Gaiolas e Asas” do educador Rubem Alves, aquele mesmo que diz que existem escolas que dão asas e outras que são gaiolas. Pois já estaremos todos nós professores cada vez mais engaiolados e amordaçados (pois não aceitam muito menos acatam quem os critica), mudos em função de um modelo que cada vez mais piora os padrões de educação e o próprio educador na Bahia.

 

“...Temos guardado um silêncio bastante parecido com a estupidez”
(Proclamação Insurrencial da Junta Tuitiva na cidade de La Paz, em 16 de junho de 1809. In: GALEANO, Eduardo. Veias abertas da América Latina. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979.)

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