O Partido dos Trabalhadores nasceu na
ditadura, já nos estertores do regime de exceção. Foi gerado e embalado
no ninho de um ciclo de greves que surgiu no ABC paulista, à porta das
fábricas, comandada pelos metalúrgicos liderados por Lula. Muito
diferente dos pelegos sindicais que pontuaram sob o abrigo populista de
Getúlio Vargas. Em 1943 Vargas criou a CLT. Getúlio misturava o
autoritarismo com tinturas nazi-fascista e o populismo trabalhista no
qual se apoiava e alimentava a força política que exibia.
De lá para cá tudo mudou, e mudou muito. Uma dessas mudanças marcantes
foi a chegada do PT ao poder e o retorno do populismo nas pregações de
Lula, principalmente nos dois período que governou a República, com
reconhecido êxito. De Lula o poder petista se espraiou para algumas
unidades federativas. Chegou à Bahia numa mudança notável, com a vitória
de Jaques Wagner sobre a oligarquia carlista, que dava evidentes sinais
de fadiga.
O líder do grupo, ACM, notou o desgaste, mas mantinha o poder com
dificuldades, trabalhando com mais denodo no plano nacional como uma das
maiores, senão a maior, figura do então PFL, hoje DEM. O governador
Jaques Wagner, ameno na forma de governar e já no seu segundo período,
está, agora, sob fogo dos seus próprios aliados. Desgasta-se.
Nesse ciclo de fogo observa-se um fato inusitado, mas não totalmente
estranho. A oposição ao governador tem pequena visibilidade, como era
pequena também no período do poder carlista. O carlismo detinha a
maioria da bancada federal do Estado e o controle da Assembléia
Legislativa. O governador Wagner, no entanto, nos últimos tempos está
sob cerco dos seus próprios aliados a partir de acontecimentos que
dificultam a sua gestão. Constatam-se greves sindicais que se sucedem
numa cadeia que se entrelaça e contribui para o abatimento político do
PT na Bahia, desgaste –é o que dizem- também ramificado no interior,
conforme pesquisas dos partidos que lhe oferecem oposição. Como não são
consultas oficiais, elas têm valor relativo.
Na sucessão de greves, a que mais marcou e desgastou foi a dos policiais
militares, na verdade um motim, que contribuiu, e muito, para a
expansão da violência em Salvador e no interior. De repente, de unidade
federativa relativamente tranqüila, a Bahia saltou para se situar como a
unidade federativa com maior índice de violência no País, sobretudo em
Salvador e Região Metropolitana. Sem que eu deseje assumir o papel de
corvo, ou de qualquer outra ave do mau agouro, a situação se torna
crítica –essa é a verdade- na medida em que se dissemina o medo na
população. Aleatoriamente. Qualquer pessoa, por mais pacífica, pode se
transformar em vítima. A violência se banaliza.
No ciclo de greve, sem referência àquelas realizadas com violência,
eclodiu o fogo amigo do movimento do Sindicato dos Professores, que está
a demorar mais do que se esperava ou se presumia. É o aliado PCdoB
atirando da rua para dentro de casa. O secretário de Educação, Oswaldo
Barreto, expõe números que impedem a concessão das vantagens
reivindicadas. O aumento desejado significaria uma pressão de R$412
milhões nas contas governamentais e o Estado não dispõe deste dinheiro.
Na verdade, e isso tem que se colocar de forma explícita, a Bahia passa
por dificuldades econômicas crescentes. O Estado está em processo de
empobrecimento.
Para ativar a discordância à ação governamental, ressurgiu a antiga
rivalidade com Pernambuco, que se imaginava sepultada há 40 anos, justo
para comparar a Bahia com o processo de desenvolvimento que a unidade
vizinha experimenta. A comparação tornou-se lugar comum. Fala-se que a
unidade vizinha acelera o processo de desenvolvimento com “canteiros de
obras” em toda parte, conseqüência da ação do governador Eduardo Campos,
herdeiro-neto político do ícone da esquerda nordestina, Miguel Arraes. O
caminho não é por aí, mas é um dos que a oposição explora. Até porque
as mudanças são observadas também na cidade do Recife, uma capital bem
administrada, que conserva e protege a materialidade (e imaterialidade)
do seu vasto patrimônio cultural. O da Bahia é decadente.
Para completar o ciclo, o flagelo da seca ameaça milhões de baianos que
habitam a região do semiárido. A estiagem avança sem sinais de
arrefecimento. Ultrapassada a estação das chuvas na região atingida, há
de se esperar o próximo ciclo que começa em novembro. Até lá,
recorrem-se a medidas paliativas. O sofrimento da população só poderá
ser amenizado pela resignação do sertanejo, que ora por chuvas que não
chegam e se conformam com os caminhões-pipas. Ressurge, assim, na
adversidade do sofrimento, a indústria da seca, onde a corrupção se
instala e renasce a política da troca de água por voto.
Enfim, o retrocesso da miséria é determinado pelo fenômeno climático.
Mas, também, pela ausência de planejamento e ações de gestão para obter
recursos federais, de maneira a construir represas, açudes, perenização
dos rios, ora transformados com a seca em caminhos de terra rachada.
Enfim, de há muito a Bahia não se prepara para o fenômeno da seca, que
se registra em ciclos de 26 anos, segundo os técnicos. Os rios das áreas
críticas já deveriam ter sido perenizados com águas do rio São
Francisco, através de adutoras. A irrigação com águas do rio só acontece
na sua margem esquerda, nunca na direita para atender o semiárido.
Assim posto, observa-se que o governador Jaques Wagner, além de todos os
problemas que enfrenta, fica exposto ao fogo amigo disparado por sua
aliança, como se observou na votação do projeto dos professores na
Assembléia Legislativa, na semana que passou. Aconteceram, naquela
sessão noturna da AL, os primeiros sinais de dissidências. A não ser que
se considerem as críticas aliadas “normais” em ano eleitoral, de modo a
agradar uma categoria presumivelmente politizada como a dos
professores.
*Coluna de Samuel Celestino publicada no jornal A Tarde deste domingo (29).
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