Integrantes do primeiro escalão da presidente Dilma Rousseff usam jatinhos da Força Aérea Brasileira (FAB)
para viagens de agenda “maquiada”, onde misturam compromissos oficiais e
eventos não relacionados às suas atividades no governo. Também recorrem
às aeronaves privê para voltar para casa no fim de semana, quando
poderiam optar por voos comerciais disponíveis nos mesmos horários.
Em
pouco mais de dois anos de governo Dilma, os voos em jatinhos do
primeiro escalão somam uma distância equivalente a dez vezes o caminho
de ida e volta à Lua. Foram 5,8 mil voos, com custo estimado de R$ 44,8
milhões, segundo cálculo feito pelo professor Fernando Martini Catalano,
chefe do Departamento de Engenharia Aeronáutica da USP em São Carlos, a
pedido do jornal O Estado de S. Paulo - a FAB não divulga o número por
considerá-lo “estratégico”.
No início do mandato, Dilma recomendou parcimônia no uso dos
jatinhos. Isso não impediu que os pousos e decolagens aumentassem 5% de
2011 para 2012 e o tempo de voo crescesse 10%.
O decreto presidencial 4.244, de 2002, define as prioridades de
utilização das aeronaves: emergências de segurança ou médica têm
preferência. Depois vêm as viagens a serviço. Recorrer ao táxi aéreo
público para deslocamento às residências nos Estados aparece apenas como
terceiro item de prioridade de uso.
São 18 aeronaves à disposição de ministros, vice-presidente da
República e presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal
Federal. Dilma tem dois jatos, exclusivos da Presidência.
Agendas
O ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams,
recorreu a um Embraer ERJ 145, com capacidade para ao menos 36
passageiros, para visitar, em 22 de agosto de 2011, uma segunda-feira, o
ex-presidente Lula no Instituto Cidadania, em São Paulo. A preços de
hoje, a viagem nessa aeronave custaria aproximadamente R$ 6,6 mil, ante
R$ 700 em trecho de carreira, cotado, para o mesmo horário, com três
dias de antecedência. Apesar de estar entre as atribuições da AGU cuidar
de casos envolvendo ex-presidentes, a agenda oficial de Adams não
registrou o evento.
O então ministro da Educação à época, Fernando Haddad, também
participou do encontro com Lula. Discutiu sua futura candidatura à
Prefeitura de São Paulo. Ele havia chegado ao interior de São Paulo,
também de jatinho público, na sexta-feira anterior para eventos do
governo em São José dos Campos. Justificou sua permanência na capital
paulista dizendo que teria de dar uma entrevista, como ministro, a uma
rádio na segunda-feira. Horas depois estava com Lula falando da eleição
municipal.
Vice
Em 16 de janeiro deste ano, o vice-presidente Michel Temer, chefe do
PMDB, solicitou um Embraer ERJ 135 para decolar de Brasília para São
Paulo, às 18h. Na manhã seguinte, passou o dia a serviço do partido,
negociando a candidatura do deputado peemedebista Henrique Eduardo Alves
(RN) ao comando da Câmara. À noite, participou de jantar de apoio ao
parlamentar num restaurante dos Jardins. “É a vez do PMDB”, disse o
vice-presidente no evento. Sua agenda não registra nenhuma tarefa de
governo na data.
Em 9 de outubro do ano passado, coube à Aeronáutica levar Temer a um
encontro com Haddad, no qual costurou o apoio de seu partido ao petista
no 2.º turno das eleições municipais. O jato partiu do Rio de Janeiro
para São Paulo na véspera, às 18h. Segundo o site da Vice-Presidência,
Temer não teve atribuições governamentais naquela data.
Na Esplanada dos Ministérios é comum o uso de compromissos
genericamente descritos nas agendas oficiais para justificar viagens a
bordo da esquadrilha do governo. Um dos mais frequentes passageiros da
FAB, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, embarcou em 17 de fevereiro
de 2012 para São Paulo, uma sexta-feira, a título de participar de
“reuniões internas” no prédio do Banco do Brasil.
A FAB também foi buscar ministro no retorno de evento que celebrou os
dez anos do PT no poder, em 20 do mês passado em São Paulo. Naquele
dia, uma quarta-feira, José Eduardo Cardozo (PT) despachou em Brasília
até as 17h, viajando em seguida para a festa. Não pediu o benefício na
ida, mas, segundo as planilhas da Aeronáutica, usou um na volta, no dia
seguinte, às 15h.
"Despropositado"
Procurador do Ministério Público no Tribunal de Contas da União
(TCU), Marinus de Vries Marsico diz que práticas do tipo são
“absolutamente despropositadas”. “Não me custaria pedir uma investigação
sobre esses casos, porque é o uso da máquina pública para privilegiar
um partido em detrimento de outros.”
Ele afirma que, embora não seja ilegal, requerer estrutura pública
apenas para voltar para o Estado de origem, com finalidade privada, não
está em consonância com o princípio da moralidade. “A FAB não é táxi
aéreo e o ministro que quiser visitar sua casa deveria embarcar em um
voo de carreira, como qualquer outro cidadão”, comenta.
Entre os auxiliares de Dilma, há quem destoe do comportamento padrão.
O ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, que não
voou nenhuma vez em aviões federais, diz preferir a aviação comercial
porque pode ser reservada com mais antecedência e a preços mais baixos.
“Considero que, se o trajeto de avião de carreira sair mais barato e não
houver impedimento para usá-lo, essa opção é a mais recomendável.” As
informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Ministros dizem não haver abuso em viagens
Vice-campeão em viagens, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
afirma que, ao embarcar nos jatinhos, contribui para o bom
funcionamento da frota oficial. “O uso de aeronave da FAB, nos casos em
que ocorreu, não ofende a lei e a moralidade. Até porque os aviões
necessitam voar determinadas horas para sua correta manutenção”, disse o
ministro, em nota oficial.
Cardozo sustenta que todos os seus deslocamentos foram feitos “em
respeito absoluto à legislação”. Segundo ele, a amplitude das atividades
de sua pasta dificulta compatibilizar compromissos e, não raro, o
sujeita a imprevistos. “O uso de aeronave da FAB possibilita essa
compatibilização e favorece a execução eficiente e ágil das funções do
titular do ministério”, afirmou.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, explicou que, como gestor
nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), tem extensa agenda, o que
exigiria o uso dos jatinhos prioritariamente, em vez de voos de
carreira. Ele sustentou seguir a legislação.
O vice-presidente Michel Temer disse, em nota, que a legislação
determina, por motivo de segurança, o deslocamento do vice-presidente
“em aeronave da FAB”. Segundo ele, em período de campanha, “o PMDB
sempre contratou empresas para esse fim específico”. Temer assegurou que
a reunião com o então candidato Fernando Haddad (PT) na disputa
eleitoral de 2012 e o tour para agregar apoios ao deputado Henrique
Alves (PMDB-RN) na corrida à presidência da Câmara este ano não se
enquadram nas condutas vedadas pela lei.
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, informou ter viajado ao
encontro de Lula para discutir processos judiciais nos quais o
representa. Em nota, não esclareceu quais são esses casos ou por que, em
sua agenda divulgada na internet, não consta o compromisso supostamente
oficial. “A Lei n.º 9.028/1995 estabelece como dever da AGU a defesa
judicial dos ex-presidentes quando, no exercício da Presidência, tenham
atos questionados.” Hoje prefeito de São Paulo, o ex-ministro da
Educação Fernando Haddad informou no domingo, 14, via assessoria de
imprensa, que não iria comentar o assunto.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, explicou que, no dia em que
visitou Lula no hospital, teve várias reuniões de trabalho que não foram
especificadas na agenda, entre elas com o então prefeito de São Paulo,
Gilberto Kassab (PSD). Os ministros Fernando Pimentel (Desenvolvimento) e
Ideli Salvatti (Relações Institucionais) disseram cumprir a legislação
no uso dos jatos.
A Aeronáutica informou que o uso dos aviões é pautado pela
“racionalização dos meios”. Em nota, garantiu que seus procedimentos
seguem as orientações legais. Conforme a Força Aérea, ao receber pedidos
para voos de mesma rota, em intervalos inferiores a duas horas, propõe
sempre o compartilhamento às autoridades, se há assentos suficientes.
A Força Aérea se nega a informar o custo dos voos, alegando ser dado
“estratégico”. A estimativa de despesas no governo Dilma Rousseff, de R$
44 milhões, se baseia em cálculo feito pelo professor Fernando Martini
Catalano, chefe do Departamento de Engenharia Aeronáutica da USP em São
Carlos. Na conta, ele considerou valores pagos no mercado de aviação por
combustível, manutenção e operação das aeronaves. A hora-voo de um
Embraer ERJ 135, o jato mais usado por autoridades, pode custar US$ 2,4
mil ou R$ 4,8 mil, conforme a cotação de sexta-feira. No caso do Embraer
ERJ 145, o valor é de US$ 2,5 mil ou R$ 4,9 mil. As informações são do
jornal O Estado de S. Paulo.
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